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Última leva de aprovações do governo Bolsonaro incluiu seis produtos com Sulfoxaflor; pesticida é apontado como causador de morte de enxames

Reportagem
22 de agosto de 2019
12:02
Este artigo tem mais de 5 ano

Se o número de abelhas mortas desde o final do ano passado assusta – foram mais de 500 milhões em três meses –, apicultores brasileiros se preparam para uma realidade ainda pior este ano.

Isso porque, além dos agrotóxicos que já causam mortandade segundo diversos estudos, o governo de Jair Bolsonaro aprovou nada menos que seis produtos à base de Sulfoxaflor, ingrediente ativo que causa polêmica nos Estados Unidos e Europa devido ao potencial risco às abelhas.

“Estamos ainda mais preocupados agora devido à aprovação de tantos pesticidas neste ano”, conta Professora aposentada de química na Universidade Federal de Goiás (UFG) e presidente e sócia-fundadora da Associação dos Apicultores do Estado de Goiás (Apigoiás), Maria José Almeida. “No Centro Oeste, mais mortes ocorrem na época da dessecação da soja, que começa agora. Aplicam venenos altamente tóxicos para as abelhas, e o resultado são apiários inteiros mortos. No último ano chegamos a pegar pelo estado entre 60 e 80 caixas com todas as abelhas mortas”. Cada caixa pode abrigar entre 30 mil e 100 mil abelhas. “Na nossa região são muitas as causas de morte de abelhas. A associação foi criada em 1980, e sempre foi algo comum termos casos onde morrem um enxame ou outro, mas nunca na proporção que vem ocorrendo nos últimos anos”, diz.

Em Pernambuco, a situação é semelhante. No começo do mês, o Ministério Público estadual recebeu denúncia de mortandade de abelhas no Vale do Rio São Francisco. Segundo a Associação dos Criadores de Abelhas de Petrolina, há três anos, os 32 associados retiravam anualmente cerca de 30 toneladas de mel, número que caiu para 20 toneladas.

Os apicultores ouvidos pela reportagem reclamam que os inseticidas relacionados ao massacre do último ano, o Fipronil e os neonicotinoides Clotianidina, Imidacloprid e o Tiametoxam, ainda continuam no mercado, sem a conclusão da Avaliação do Potencial de Periculosidade Ambiental (PPA) feita pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Além disso, a chegada de pesticidas à base de Sulfoxaflor ao mercado brasileiro também preocupa. Trata-se de um produto que faz parte do grupo químico das sulfoxaminas, desenvolvido pela Dow AgroSciences desde 2013. Rapidamente, o inseticida tornou-se um fenômeno de vendas, aprovado em mais de 80 países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão e China.

No Brasil, o produto técnico Sulfoxaflor teve a aprovação publicada no 1º ato de 2019 da Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura. Segundo o governo, o ingrediente ativo foi aprovado no ano passado, pelo antigo Governo, mas a publicação no Diário Oficial ocorreu apenas em 10 de janeiro.

Já em 22 de julho, seis produtos agrotóxicos à base de Sulfoxaflor obtiveram a permissão para serem comercializados. Eles foram classificados como “medianamente tóxicos” e “perigosos ao Meio Ambiente” e liberados para as culturas de algodão, citros, feijão, melão, melancia, soja, tomate e trigo.

Os novos agrotóxicos chegarão às lojas com os nomes Verter SC, Exor SC, Closer SC, Exor, Verter, Closer, todos comercializadas pela Corteva Agriscience — empresa que antes pertencia à gigante DowDupont (fusão da Dow AgroSciences com a Dupont) mas que foi desmembrada e se tornou, este ano, um braço independente para cuidar apenas da área agrícola, incluindo agrotóxicos. No entanto, apesar de a comercialização ser feita pela Corteva, as patentes dos produtos são da Dow, que fez o pedido antes da fusão. A Agência Pública e Repórter Brasil perguntaram à Corteva quando os produtos chegarão às prateleiras, mas, alegando motivos comerciais e estratégicos, a empresa não revelou a data de lançamento.

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Estudos são sigilosos

Para evitar o impacto nas abelhas, o Ibama impôs regras para o uso do Sulfoxaflor. Entre elas, a restrição de aplicação em períodos de floração das culturas, o estabelecimento de dosagens máximas do produto e de distâncias mínimas de aplicação em relação à bordadura para a proteção de abelhas não-apis, sem ferrão funcional. Essas restrições constarão na rotulagem dos produtos e são estabelecidas de acordo com cada ingrediente e cultura.

“Do ponto de vista da saúde humana, o Sulfoxaflor está entre os inseticidas 20% menos tóxicos hoje aprovados. Há um possível impacto sobre insetos polinizadores, por isso a importância da avaliação do Ibama. Foram apresentados estudos técnicos sobre o impacto dos resíduos nas abelhas para determinar o que pode ou não ser aprovado. O Ibama tem a liberdade técnica de aprovar ou reprovar o produto ou estabelecer restrições de uso que garantam a segurança para os insetos polinizadores”, explicou à reportagem o coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins da Secretaria de Defesa Agropecuária, Carlos Venâncio.

Para entender melhor os potenciais impactos, a reportagem solicitou via Lei de Acesso à Informação ao Ministério do Meio Ambiente os estudos técnicos do Sulfoxaflor, mencionados pelo coordenador. O pedido foi negado pelo órgão, com base na Lei 10.603 de 2002, que estabelece que novos produtos aprovados para comercialização têm proteção de 10 anos de sigilo nas informações.

Tanto o Sulfoxaflor quanto pesticidas neonicotinóides funcionam atingindo o sistema nervoso central dos insetos. A professora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB), Cristina Schetino explica que, no caso dos neonicotinóides, o efeito nas abelhas ocorre alterando a capacidade de aprendizagem e memória. Algumas inclusive não conseguem encontrar o caminho de volta para a colmeia.

“O Sulfoxaflor, portanto, vem sendo considerado como uma alternativa aos neonicotinóides, que foram banidos de vários países, tendo em vista seu reconhecido impacto sobre polinizadores. Uma das vantagens atribuídas ao Sulfoxaflor está no fato de que ele apresenta residual mais curto: após 5 dias da aplicação, a concentração residual do chega a cair em até 20 mil vezes”, diz Cristina Schetino. Porém, diz ela, estudos recentes já mostram consequências do uso do Sulfoxaflor nas abelhas.

O principal deles é de 2018, feito por professores da Universidade de Holloways, em Londres, e publicado na revista científica Nature, alertando para os riscos do Sulfoxaflor para as abelhas. No experimento, abelhas Bombus terrestris, conhecida no Brasil como mamangaba-de-cauda-amarela-clara, foram submetidas ao inseticida, o que levou a uma redução da capacidade de reprodução e da taxa de crescimento das colônias.

A especialista acrescenta que existem riscos na aplicação mesmo fora da época de floração. “Há espécies vegetais, que também têm glândulas de nectário nas folhas, tornando-as atrativas para as abelhas até mesmo na época onde só há a planta”, explica.

Por meio da assessoria de imprensa, a Corteva Agriscience enviou nota à Agência Pública e Repórter Brasil garantindo que os produtos à base de Sulfoxaflor que chegarão ao mercado brasileiro passaram por todos os testes necessários. “Foram realizados pela companhia diversos estudos laboratoriais para avaliar a toxicidade aguda e crônica para abelhas adultas e larvas; estudos de resíduos em néctar e pólen; e análise sobre o impacto em colônias de abelhas. Os estudos conduzidos seguiram as normas de qualidade reconhecidas internacionalmente e comprovaram que não há efeitos sobre o desenvolvimento das colônias de abelhas quando expostas aos resíduos de pólen e néctar”, escreveu a companhia.

“A empresa enfatiza, ainda que, antes de solicitar o registro de qualquer um de seus produtos, realiza uma série de pesquisas para averiguar o desempenho de suas novas tecnologias, avaliando, inclusive, todo possível impacto ambiental. Dessa maneira, a companhia assegura que, quando usado de acordo com as recomendações da bula, Sulfoxaflor não representa risco para as abelhas”, afirma a nota.

O governo Bolsonaro aprovou seis produtos à base de Sulfoxaflor – ingrediente ativo que causa polêmica devido ao potencial risco às abelhas

Questionados na justiça, produtos da Dow Agrosciences voltam ao mercado durante governo Trump

Desde 2015, o Sulfoxaflor está envolvido em polêmicas. Naquele ano, organizações que defendem abelhas levaram ao Tribunal de Apelações de São Francisco, nos Estados Unidos, a denúncia de que o uso do inseticida estaria ligado ao extermínio de abelhas, pedindo a suspensão da venda de produtos à base do químico. Segundo a Agência de Proteção Ambiental Americana (EPA), “o tribunal considerou que o registro não era apoiado por evidências que demonstrassem que o produto não era prejudicial às abelhas, e por isso retiraram o registro”.

Mas o produto não ficou muito tempo longe das prateleiras. Em 2016, a EPA aprovou uma nova licença, com requisitos adicionais para proteger as abelhas. A partir daí, o produto passou a ser proibido para culturas de sementes, e só pode ser utilizado em plantações que atraem abelhas após a época do florescimento.

Três anos depois, veio uma nova decisão. Em julho de 2019, já no governo de Donald Trump, a EPA expandiu a liberação de uso do Sulfoxaflor para mais culturas. A agência concluiu que o pesticida desaparece da atmosfera mais rápido do que as demais alternativas utilizadas, diminuindo assim os riscos para os enxames.

A nova decisão rendeu protestos de organizações da sociedade civil americana e levantou suspeitas – especialmente porque a Dow AgroSciences, que detém a patente do Sulfoxaflor e é ligada à Corteva, doou US$ 1 milhão para garantir as festividades da posse de Trump, segundo reportagem publicada pela Associated Press em 2017. A reportagem revelou também que o CEO da Dow, Andrew Liveris, é amigo pessoal do presidente americano.

Agrotóxicos demoram a sair do mercado

Em março, a reportagem da Agência Pública e da Repórter Brasil mostrou que uma das principais ações do governo para resolver o problema da mortandade de abelhas é a reavaliação de agrotóxicos relacionados aos casos.

O Ibama iniciou o processo em 2012, com a reavaliação do neonicotinoides Imidacloprid, o mais usado do grupo. Simultaneamente, o Instituto está reavaliando também os neonicotinoides Clotianidina e o Tiametoxam, e ao fim dos três processos iniciará os testes com o Fipronil.

Em outubro de 2017 o Ibama respondeu ação civil pública na 9ª Vara Federal de Porto Alegre, que dava o prazo de seis meses para a autarquia concluir as reavaliações. O Ibama respondeu ter dificuldade para concluir o processo no prazo. A equipe que realiza as reavaliações é composta por apenas cinco analistas ambientais: três biólogos, um químico e um zootecnista.

Cinco meses após a publicação da reportagem, os processos de reavaliação ainda não foram concluídos. Nem Ibama nem Ministério do Meio Ambiente deram alguma previsão de encerramento da reavaliação dos neonicotinoides.

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Pressão do Ministério Público e da sociedade

Enquanto o processo de revisão dos agrotóxicos apontados como vilões das abelhas segue em andamento na esfera federal, há pressão nos demais poderes e da sociedade civil. A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre encaminhou no dia 14 de agosto pedido de suspensão para que o Governo do Rio Grande do Sul avalie a possibilidade de restrição do uso do inseticida Fipronil no estado, através da suspensão provisória do registro do produto no Cadastro Estadual de Registro de Agrotóxicos – 400 milhões de abelhas foram mortas no Estado em apenas três meses, conforme revelaram Agência Pública e Repórter Brasil.

Em junho deste ano o Ministério Público do Rio Grande do Sul estadual propôs que as empresas produtoras do inseticida suspendessem voluntariamente a comercialização de produtos à base de Fipronil no estado. As multinacionais Basf e a Nufarm concordaram. “O fato é significativo porque, mesmo que outras tantas não concordassem com a proposição ancorada apenas na questão de que o princípio ativo possui registro, duas das maiores produtoras reconhecem, especificamente pela mortandade de abelhas, os danos que a versão foliar do Fipronil representa”, destacou promotor de Justiça Alexandre Saltz no pedido de suspensão.

“Impõe-se avançar na limitação da sua comercialização e uso, especialmente às vésperas do início da safra”, concluiu.

O Fipronil age nas células nervosas dos insetos e, além de utilizado contra pragas em culturas como maçã, soja e girassol, é usado até mesmo em coleiras antipulgas de animais domésticos. Muitas vezes esse veneno é aplicado em pulverização aérea, o que o expõe diretamente as abelhas. Um estudo feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2018 analisou 30 casos de grandes baixas em enxames no estado. Os resultados mostram que cerca de 80% ingeriram ou tiveram contato com Fipronil antes de sucumbir.

“Estamos animados com essa movimentação judicial. O Fipronil é o maior matador de abelhas. Usar ele na época da florada é um grave crime ambiental”, conta o apicultor Salvador Gonçalves, presidente da Apicultores de Cruz Alta (Apicruz).

O município gaúcho foi um dos que mais sofreu com mortes de abelhas — mais de 20% de todas as colmeias foram perdidas apenas entre o Natal de 2018 e o começo de fevereiro deste ano. Cerca de 100 milhões de abelhas apareceram mortas, segundo levantamento da Apicruz.

Mas a repercussão das denúncias chamou atenção para o problema. Em maio, o Greenpeace lançou a #SalveAsAbelhas, um abaixo assinado contra o extermínio de polinizadores por uso de agrotóxicos — foram 10 mil assinaturas de apoio em uma semana.

Quase um ano depois, o sentimento é de esperança de que a repercussão traga mudanças efetivas. “Dentro de alguns dias começa a dessecagem nas lavouras de milho, então estamos muito preocupados. Mas houve uma sensibilização muito grande por parte dos produtores rurais que nos faz esperar uma diminuição da mortandade de abelhas neste período de primavera”, diz Salvador Gonçalves.

Em resposta, o setor de defensivos agrícolas, sob governança do Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), criou o Colmeia Viva, um movimento para incentivar o diálogo entre agricultores e criadores de abelhas. O grupo coloca como um dos objetivos promover o uso correto de defensivos agrícolas para diminuir o impacto na apicultura.

Por sua vez, em julho foi a vez dos deputados agirem. No dia 4, parlamentares lançaram no Congresso Nacional a Frente Parlamentar Mista da Apicultura e da Meliponicultura. O grupo irá acompanhar e fiscalizar as atividades de criação de abelha e produção de mel no país, além de propor alternativas para solucionar os problemas da categoria. 256 deputados federais e nove senadores assinaram o requerimento de criação. O presidente da frente é o deputado Darci de Matos (PSD-SC) e o vice é o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) — ambos também são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária.

O deputado Darci de Matos (PSD-SC) é presidente da Frente Parlamentar Mista da Apicultura e da Meliponicultura

Membros da Frente Parlamentar da Apicultura reuniram-se neste mês com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para discutir as principais pautas do setor, incluindo a mortandade de polinizadores. “Passamos para ela a nossa preocupação em relação aos agrotóxicos que tem em sua base o Fipronil e os neonicotinoides. São agrotóxicos que já foram banidos na Europa, e aqui apareceram no caso de mortalidade de 500 milhões de abelhas no ano passado em quatro estados. Precisamos agir, pois sem abelha não tem alimento”, relata o deputado Darci de Matos.

A frente também pretende se reunir com Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente para falar da reavaliação dos agrotóxicos tendo em vista o perigo as abelhas. “Estamos estudando a possibilidade de fazer um projeto de lei propondo a proibição desses agrotóxicos. É um assunto bem complexo, e o PL seria a opção mais radical, mas adiante poderá ser possível, porque não podemos continuar deixando milhões de abelhas morrendo”, diz Darci. Além disso, o deputado acrescenta o interesse em criar um mapeamento de colméias no Brasil. “O objetivo é descobrir onde estão as colmeias, para quando você for autorizar um agrotóxico, o receituário mostre onde não é permitido fazer a aplicação”, explica.

Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.

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