“Acredito que estamos todos de aviso prévio e seremos demitidos e trocados por profissionais que não necessitam de formação”. A fala é do professor Jonas*, docente citado na reportagem da Agência Pública, veiculada no final de abril, sobre o uso de inteligência artificial para correção de textos sem que os alunos soubessem.
Jonas tinha razão. Nesta quarta-feira, 13 de maio, segundo informações recebidas pela reportagem, ao menos 90 profissionais já foram demitidos do grupo Laureate. A maioria dos demitidos é professor dos cursos à distância do grupo, dono de universidades como Anhembi Morumbi, FMU e outras nove universidades pelo país. O quadro de professores de EAD, segundo apurou a reportagem, é de pouco mais de uma centena de docentes. Ou seja: a demissão afetou a maioria deles. Segundo os professores, todos os professores EAD serão desligados, informação também confirmada pelo Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP). A Laureate confirmou à Pública as demissões. “Os professores desligados trabalhavam exclusivamente com as disciplinas on-line e, a partir de agora, o objetivo é que os docentes das instituições atuem em ambas as modalidades de ensino”.
Silvana e Lorena* são duas das docentes de EAD demitidas — e que foram orientadas a omitir dos alunos o uso de robôs nas correções. Ainda sob o impacto da demissão em meio a pandemia de coronavírus, elas conversaram com a reportagem. “Me falaram que não existirá mais a figura do professor online”, conta Lorena.
O motivo alegado, segundo elas, não foi a competência profissional. “Falaram que estão reestruturando tudo”, diz Lorena, demitida numa videochamada com a presença de um coordenador e de um membro do RH da Laureate. No entanto, pouco mais de 12 horas antes das demissões, o grupo Laureate anunciou vagas para a contratação de professores online na rede LinkedIn, o que contradiz a informação repassada aos docentes demitidos.
Segundo os professores entrevistados, eles serão substituídos pela figura de um “profissional monitor”, que não tem a mesma formação de um professor e que ficará dedicado a tirar dúvidas que não envolvem conteúdos das disciplinas. “Uma espécie de operador de chat para tirar dúvidas gerais”, resume Jonas, que reforça que os uso de inteligência artificial para atividades dissertativas segue em funcionamento.
Segundo Jonas, os monitores vão receber 1200 reais por oito horas de trabalho. Professores como ele recebiam mais do que o dobro.
Agora desempregado, Jonas conta que ficou assustado com a demissão em meio a pandemia de coronavírus — sua esposa também está desempregada.
Celso Napolitano, do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP) avalia que “implementar uma política de demissão nessa época de pandemia é um absurdo”. Ele afirma que em relação às demissões o sindicato entrará na justiça amanhã. “Nós vamos entrar com o processo de dissídio coletivo. É uma maneira que nós temos de sensibilizar o tribunal no sentido de promover uma audiência de conciliação onde possa haver uma negociação em melhores condições em termos de correlação de forças”, diz.
Diminuição do papel do professor
Para a Rede de Educadores do Ensino Superior em Luta, espaço de articulação e mobilização política dos educadores e educadoras das instituições de ensino superior (IES) privadas, as demissões confirmam a previsão da própria rede de diminuição do papel do professor nos processos educacionais. “Na Laureate esse processo já se desenrola há alguns anos, primeiro com a produção de manuais, para que qualquer professor pudesse dar virtualmente qualquer disciplina. Depois com a compra de direito das videoaulas por mais de 70 anos, tirando do professor mais essa tarefa. E, por fim, o uso desses robôs e as demissões desses profissionais”.
A docente Silvana avalia que sua demissão e dos colegas reforça a ideia de que a Laureate “está preocupada com lucro e não com educação”. “Isso é um projeto da Laureate, já que as últimas medidas tomadas por ela, como o LTI [inteligência artificial], vão nesse sentido. Ainda que publicamente ela fale sobre a importância do professor, na prática, demite a totalidade de professores do EAD, para substituí-los e/ou por monitores sem especialização ganhando menos, ou por PJ [pessoas jurídicas] sem as garantias trabalhistas e por robôs”, desabafa.
O que diz a Laureate
Procurada, a Laureate respondeu em nota: “Vivenciamos um momento de transformação e entendemos que o mundo se torna cada vez mais digital, assim como o mercado de trabalho. Por isso, acompanhar esse novo contexto é fundamental para o setor de educação e para a Laureate, que está fazendo um movimento importante para unificar a área acadêmica da modalidade de educação a distância (EAD) com a área acadêmica da modalidade presencial de suas instituições de ensino, desfazendo, assim, a separação que havia. O modelo acadêmico dos cursos digitais, a partir de agora, terá a atuação dos docentes presenciais das instituições de ensino, trazendo unidade ao processo pedagógico e aproximando ainda mais o presencial do virtual. Os professores desligados trabalhavam exclusivamente com as disciplinas on-line e, a partir de agora, o objetivo é que os docentes das instituições atuem em ambas as modalidades de ensino. Para tomar esta decisão, foi necessário fazer ajustes no corpo docente da área de educação digital, o que não impactará de maneira alguma a qualidade acadêmica oferecida, que visa sempre a melhor formação aos alunos. Em respeito à contribuição e à privacidade dos profissionais, a Laureate não divulga externamente a quantidade e nem os nomes dos professores que não fazem mais parte de nossa comunidade acadêmica. No entanto, vale ressaltar que, mesmo em tempos atípicos como este de isolamento social, foram mantidos o respeito e a atenção individual aos docentes durante o processo de desligamento. Importante reforçar ainda que a organização cumprirá todos os compromissos legais trabalhistas em vigor no país, bem como os acordos estabelecidos em convenção coletiva de trabalho. A Laureate ratifica que a implementação de novas tecnologias não tem o intuito de substituir a função essencial do corpo docente, mas sim oferecer aos professores a oportunidade de dedicar mais tempo na relação direta com seus alunos, liberando agenda e energia para gerar mais proximidade com as suas turmas, um melhor acompanhamento no desempenho dos estudantes e mais tempo para que possam focar em outras atividades acadêmicas. Portanto, o objetivo é sempre humanizar ainda mais a relação de ensino e aprendizagem”.