Por Antonio Suárez
A bicicleta começa a cumprir uma função que em poucos anos será indispensável: ajudar os moradores das cidades a irem de suas casas até o metrô, terminais urbanos ou trens, e dali para o trabalho ou escola. E desta forma reduzir o uso de mais de 3 milhões de automóveis que circulam diariamente na Cidade do México.
Estima-se que, em média, cada cidadão gasta duas horas de viagem por dia, considerando ida e volta. Isto soma milhões de horas de atividade não produtiva, já que número de viagens na zona metropolitana é de 22 milhões a cada dia.
A reaparição da bicicleta na cidade propicia, também, a utilização dos espaços públicos, pois nos lugares onde ela está presente o ambiente melhora – independente da região.
Foi o que aconteceu em 2010 com o Monumento à Revolução, uma região esquecida que se regenerou e incluiu infraestrutura ciclista, travessias seguras e cicloestacionamentos; logo abriram novos comércios, restaurantes e cafés. De um lugar considerado de risco, se converteu em um espaço público que hoje é convidativo aos cidadãos.
Em nível global, a bicicleta se tornou o símbolo do bem estar urbano. Hoje já as vemos estabelecidas nos centros econômicos, políticos e sociais mais importantes dos países que a adotaram como meio de transporte seguro, ecológico e saudável.
Paris, por exemplo, tomou a iniciativa em julho de 2007, com sistema público Velib (20 mil bicicletas). Assim a prefeitura de Paris deu um novo rosto à bela cidade e a tornou ainda mais turística e atrativa. Da mesma forma em Barcelona, Montreal e Londres, a bicicleta propiciou uma nova fisionomia urbana; diminuiu o uso do automóvel; e a poluição. A bicicleta torna os parques, a cultura, a educação e o comércio mais acessíveis. Quando adequadamente planejado, seu uso permite uma mobilidade sustentável baseada na interconexão com os sistemas públicos de transporte, reduzindo a dependência do transporte particular.
A volta da bicicleta é um fenômeno global cujo epicentro são as megalópolis – sempre é bom lembrar que mais de 50% da população do planeta vive em centros urbanos. Alguns especialistas classificam o século XXI como aquele em que vigora o triunfo das cidades, e ao qual se apresenta o desafio de fazê-las viáveis.
A Cidade do México, ponto de partida da bicicleta
No começo do século passado, 80% da população mexicana vivia em zonas rurais. Atualmente, 70% reside nas áreas urbanas. Nesse contexto, as prefeituras se perguntam como incrementar a mobilidade.
Um exemplo que temos é a Cidade do México e cidades periféricas, cuja extensão ocupa 500 mil quilômetros quadrados. Estima-se que 70% desta gigantesca área seja propícia para o uso da bicicleta. Além disso, a temperatura média é de 16 graus, ideal para passeios de bicicleta.
Por outro lado, sabemos que 40% das viagens na cidade duram menos de 15 minutos e menos de oito quilômetros, o que significa um enorme potencial para a interconexão do ciclismo ao transporte público, que responde por 70% das viagens. Além disso, a maioria dos usuários precisa de dois ou mais meios de transporte para chegar ao seu destino final. Isso aumenta o tempos de viagem e reduz a qualidade de vida.
De acordo com um censo da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) realizado em 2010, a despesa diária com transporte público, por pessoa, é de 17 pesos, ou cerca de 2,50 reais. Isso significa que as pessoas de baixa renda gastam 35% do que ganham com transporte. Ou seja: aumentando o uso de bicicletas, o custo fica reduzido (além do trânsito e da poluição). Na década de 80, o uso das bicicletas para mountain bike se tornou ferramenta para a conservação de parques e reservas florestais em torno das cidades.
Agora, as bicicletas vão para o asfalto.
Mexico, um “povinho de ciclistas”
Hoje em dia, diferentemente do século passado, o uso das bicicletas não se restringe às camadas sociais com renda mais baixa. Usar a bicicleta era uma marca de inferioridade. A alta sociedade torcia o nariz, dizendo que o México era um “povinho de ciclistas”.
Agora, pessoas de diferentes classes sociais vêem a bicicleta como uma opção de transporte vantajosa e versátil. Hoje a bicicleta compete com os carros particulares e o sistema de transporte público: ocupa menos espaço, é fácil de estacionar e barata de manter. Também chega a ser mais veloz na megalópolis do que um veículo motorizado: na hora do rush na Cidade do México, a velocidade de um veículo motorizado é de cerca de 14 km/h; a da bicicleta supera 16 km/h.
A vantagem é mais evidente em viagens curtas. De acordo com a estratégia de mobilidade de bicicletas traçada pela UNAM, dá para substituir entre 2,5 e 3,5 milhões de viagens diárias feitas em outro meios de transporte, já que 40% delas não é superior a 11 quilômetros
A ideia do bem estar está mudando
O uso urbano da bicicleta é um sintoma de uma mudança social, que favorece a flexibilidade e a liberdade no deslocamento dos cidadãos, afirmou Connie Hedegaard, comissária europeia do Ambiente, durante a Conferência Mundial de Velocidade, em 2010. “As cidades que têm as bicicletas são modernas, e uma cidade moderna é muito mais equitativa, uma vez que promove o bem-estar de todos os membros do núcleo social. Uma cidade com bicicletas tem mais benefícios sociais, ambientais e éticos”.
A idéia de bem-estar também está mudando. Assim como casais jovens vivem em locais muito menores do que antes, há uma mudança cultural no que diz respeito à idéia de bem-estar. Se antes o sonho era ter uma casa e jardim, agora muitos optam por viver em um apartamento para não terem quem enfrentar o transtorno de dirigir, explica Edward Glaeser no seu livro O Triunfo das Cidades.
Diferentemente dos seus pais ou avôs, os jovens de hoje já não vêem a posse de um carro como sinônimo de bem estar, diz Glaeser. Para o economista graduado em Harvard, isso já se reflete na redução das viagens de carro, que começam a ser substituídas pela bicicleta e pelo transporte público.
Ao mesmo tempo, a bicicleta contribui para a transformação da cidade, tornando habitáveis novamente áreas decadentes. Isso fica claro em determinadas regiões, como o sul da Cidade do México, que experimentam um “boom” imobiliário porque os habitantes preferem viver perto do transporte público para não ter que dirigir longas distâncias.
A mudança das moradias para áreas mistas, onde estão localizados lojas, serviços, recreação e estações de metro, está mudando a paisagem urbana da Cidade do México – e um dos vetores dessa mudança é o ciclismo. “É o local de habitação que determina o tipo de meio de transporte”, disse o Dr. Manuel Suarez, do Instituto de Geografia da UNAM, que estuda o fenômeno da habitação, mobilidade e bicicleta na cidade. “A ausência de espaço entre as pessoas reduz os custos de transporte de bens e idéias, o que conta mais na cidade do futuro é o fluxo de idéias, o conhecimento é mais valorizado do que o espaço. Isso que é a cidade moderna”.
Glaeser diz que “estamos testemunhando uma nova forma de moradia e uso da terra que, em meados do século passado se consolidou em algumas cidades que hoje são ícones do ciclismo urbano” –como Amsterdã, Copenhague e algumas capitais da Ásia.
O automóvel continua a predominar no México – bem como os recursos alocados para a construção de novas estradas e manutenção das antigas. O investimento para a chamada Supervia, atualmente em construção, é estimado em 18 bilhões de pesos (cerca de 2,5 bilhões de reais) enquanto na cidade de 70% das viagens são feitas por transportes públicos.
O Sistema ECOBICI
Em fevereiro de 2010, as autoridades da Cidade do México começaram a estabelecer medidas para incrementar o uso da bicicleta, com o sistema ECOBICI. Como resultado, mais de mil bicicletas foram adicionadas ao sistema de transporte público.
Foi um marco importante para a promoção e investimento governamental na infraestrutura ciclista. Não apenas pelo investimento –100 milhões de pesos, cerca de 14 mihões de reais –mas pela contundência da mensagem, pois a experiência mundial confirma que uma vez que se instala um sistema desse tipo, a tendência é crescer.
O programa visa substituir o primeiro e o terceiro modo de transporte: a pessoa sai de casa para o trabalho ou escola com a própria bicicleta para chegar ao metrô ou metrobus. Ao sair destes meios de transporte, toma uma bicicleta pública para chegar ao destino final.
O resultado tem sido satisfatório. No começo, o registro era feito através do cartão de crédito. Mas descobriu-se que um sistema simples de registro não representam uma grande despesa e traz muito menos uma complicação. Hoje, há uma lista de espera de 15.000 usuários.
O sistema ECOBICI oferece, como em outras cidades do mundo, meia hora de uso gratuito – o que costuma ser suficiente para ir de um ponto para outro.
Antes da implementação do novo sistema, 99,4% das viagens de bicicleta não eram combinadas com nenhum outro meio de transporte – as outras100.250 viagens diárias se articulavam com ônibus ou metrô. Com o estabelecimento do ECOBICI, o último número aumentou entre 8 e 9 mil viagens diárias.
Segundo a Estratégia de Mobilidade em Bicicleta realizada pela UNAMA, entre 2008 e 2009, para que a população jovem utilize a bicicleta para chegar à escola e para se deslocar no interior dos bairros é preciso criar zonas de trânsito calmas, seguras para os pedestres e ciclistas, com cruzamentos adequados e programas de médio e longo prazo para incidir na mudança de hábitos e aquisição de confiança e segurança.
Espaço público X risco
O uso da bicicleta também vem sendo aproveitado por administrações públicas municipais para melhorar o espaço público de forma a propiciar encontros casuais e harmoniosos entre os cidadãos.
Por exemplo, em um domingo de manhã, no Paseo de La Reforma, não somente pode-se andar de bicicleta como também ter uma aula de dança ou ioga a céu aberto e conviver com patinadores e skatistas. Nesse dia, essa importante via pela qual transitam uma infinidade de automóveis muda sua fisionomia para integrar a bicicleta.
A estratégia do governo na Cidade do México para integrar bicicletas às avenidas tem um impacto positivo porque envia uma mensagem ao público, mostrando que o ambiente social e urbano pode ser diferente. Pelo menos em uma avenida da cidade. E se nesse espaço a atmosfera é diferente, então você pode ter em outros.
Segundo o plano de mobilidade desenvolvido por especialistas na UNAM, a infra-estrutura de ciclismo, além de estar no Paseo de la Reforma e em bairros como La Condesa, Chapultepec, Polanco, deve chegar aos arredores da cidade. O ponto essencial da bicicleta não é apenas a mobilidade na capital, mas que os espaços dignos gerados cheguem a todas as classes sociais.
Vários especialistas na área, como o arquiteto paisagista Pedro Camarena, acreditam que o investimento público deva ser ampliado em áreas distintas para atingir o conjunto da população. Se os governos instalarem infraestrutura para o ciclismo em diferentes áreas, os cidadãos começam a acreditar na mudança e, portanto, a participar dela.
O relatório do uso de bicicletas públicas indica que, depois de 3 milhões de viagens no sistema ECOBICI, houve apenas acidentes menores – e nenhuma morte. O sistema mexicano de bicileta pública é que sofre menos vandalismo no mundo.
A Estratégia de Mobilidade em Bicicleta da UNAM
A mesma pesquisa da UNAM investigou os principais obstáculos e preocupações dos cidadãos em relação ao uso da bicicleta. 39% por cento dos entrevistados citaram a segurança como o principal fator contrário ao ciclismo. Outro é a longa distância entre origem e destino das viagens.
Os pesquisadores da UNAM perguntaram se as pessoas usariam bicicletas para ir ao trabalho. A aceitação foi relativamente alta: 22% das pessoas se mostrou disposta a sempre usar o programa de bicicletas públicas; 26% respondeu que sempre utilizariam uma bicicleta se existisse uma ciclovia; e 27% substituiria o primeiro modo de transporte se existisse um lugar seguro para guardar a sua bicicleta.
Com base nestes dados anteriores se pode traçar um detalhado mapa sobre os locais ideais para a instalação de infraestrutura ciclista na Cidade do México.
Em casos como a Cidade do México, onde a média de viagem diária por trabalhador que vai ao centro da cidade é de duas horas, o uso da bicicleta poderia ajudar a reduzir esse tempo.
Segundo pesquisadores da UNAM, se as 15 estações de metrô nas quais se detecta mais bicicletas contassem com cicloestacionamentos seguros, se poderiam substituir 128.740 viagens que atualmente se fazem por outros meios.
Os bairros devem articular múltiplas ciclovias, cicloestacionamientos e zonas de trânsito tranquilo unindo estações de metrô, centros de trabalho e residências.
O estudo mostra que o ciclismo urbano na capital mexicana tem grandes possibilidades de crescer. Se as políticas públicas conseguirem consolidar a bicicleta como articuladora entre mobilidade motorizada e não motorizada, em poucos anos a capital mexicana poderia ser exemplo mundial de mobilidade limpa.
O ciclismo urbano também mantém presença em outras metrópoles do país, com atores muito engajados. É o caso de Guadalajara, Querétaro, Torreón e Monterrey, onde organizações, coletivos, órgãos governamentais, academia, corporações e, sobretudo, cidadãos interessados na construção de uma nova paisagem urbana, participam ativamente. É notória, também, a recente onda de livros, manuais técnicos, estratégias locais e, inclusive, a oferta de capacitação acadêmica que promove a instauração de uma cultura e infraestructura ciclista nas cidades do México.
Bicicletas públicas são se expandem no mundo todo
As bicicletas públicas são um sistema de mobilidade individualizada, diferente do metrô, que é de mobilidade coletiva. Mesmo assim, é hoje um dos sistemas de transporte de maior crescimento no mundo – não em termos de pessoas transportadas, mas de planos de expansão.
“Hoje, existem as cidades que têm sistemas de bicicletas públicas, e aquelas que estão a caminho de ter”, opina Paul DeMaio, um dos principais especialistas mundiais no assunto.
Mais de 440 cidades do mundo contam com diferentes sistemas de bicicletas públicas, de Teerã a Estocolmo. A cada semana surgem sistemas diferentes.
Segundo especialistas, a disponibilidade de bicicletas é o fator mais importante para a implantação do ciclismo urbano.
Isso foi comprovado nas grandes cidades mundiais onde há maior presença de bicicletas públicas. Em Londres, começou com 6 mil bicicletas; Paris tem mais de 20 mil; Nova York começa este ano com 10 mil bicicletas e projeta ter até 50 mil. A Cidade do México começou com mil e contará com 4 mil até o final de 2012.
Um dos mitos que prejudicam a bicicleta pública é que para promover o uso deste meio de transporte primeiro se requer ciclovias. Na realidade o que importa é que existam bicicletas disponíveis e próximas às origens e destinos mais frequentados.
Hoje, os maiores sistemas de ciclismo do mundo se encontram na China. A cidade de Wu Han conta com 70 mil bicicletas e Hang Zhou com mais de 60 mil. Ambas planejam chegar a 150 mil.
No continente europeu, Paris continua tendo o maior sistema, com 20 mil bicicletas e 209 mil usuários; depois vem Londres, com 6 mil bicicletas e 146 mil usuários. Barcelona figura em terceiro com 6 mil bicicletas e 126 mil usuários inscritos. Montreal conta com 6 mil bicicletas de uma frota que só funciona no verão. A Cidade do México planeja contar este ano com 80 mil usuários de bicicletas públicas. Hoje são 30 mil.
A experiência comprova que os usuários, depois de alguns anos, não somente compram suas próprias bicicletas como se convertem em ciclistas convictos.
Em boa medida, isso se deve ao fato que as bicicletas públicas têm como regra a gratuidade apenas na primeira meia hora de uso, o que é suficiente para chegar de um destino a outro. Quando um usuário quer rodar por mais tempo, costuma decidir comprar sua própria bicicleta em vez de usar a pública. Na Cidade do México, gasta-se, para usar uma bicicleta pública, menos de 15 centavos de real por dia.
Também evoluíram os meios de financiar esse meio de transporte. Hoje, muitos sistemas massivos de transporte (metros, trens ou ônibus) integraram as bicicletas às suas tarifas, e os governos destinaram a verba de estacionamento em vias públicas – como em Barcelona. Em outros países europeus são as empresas ferroviárias que custeiam as bicicletas públicas, já que eles fornecem usuários para os trens.
Especialistas acreditam que empresas imobiliárias também devem ajudar. Por exemplo: se vai construir certo número de apartamentos, a imobiliária deveria financiar o número de bicicletas adequadas para aqueles que vão viver ali.
Reporagem publicada originalmente pelo jornal mexicano La Jornada. Clique aqui para ler o original, em espanhol.