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Checagem

Constituição de 1988 é a que mais garante foro privilegiado

Alexandre de Moraes acertou ao comparar a versão mais recente da Carta brasileira com as anteriores e com a de países europeus

Checagem
21 de fevereiro de 2017
17:34
Este artigo tem mais de 7 ano
O ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes
O ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes. Foto: Pedro França/Agência Senado

“De todas as Constituições anteriores brasileiras e comparando com as Constituições europeias, [a Constituição de 1988] é a que tem maior número de prerrogativas de foro [privilegiado].” – Alexandre de Moraes, em resposta ao senador Lasier Martins (PSD-RS), durante a sabatina no Senado em 21 de fevereiro de 2017.

Verdadeiro

Durante a sabatina que analisa a sua indicação ao Supremo, o ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes, afirmou que a Constituição de 1988 é a mais permissiva em relação ao foro privilegiado. Para chegar a essa conclusão, Moraes comparou a Carta com versões anteriores brasileiras e equivalentes de países europeus. O Truco – projeto de checagem da Agência Pública – procurou análises e estudos para tentar descobrir se a frase está correta.

Estudo técnico divulgado em julho de 2016 pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados traça o histórico do instituto no país. Segundo o documento, a primeira constituição brasileira, publicada em 1824, dispunha sobre o assunto em dois artigos: no de número 47, determina que é atribuição do Senado “conhecer dos delictos individuaes, commettidos pelos Membros da Familia Imperial, Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, e Senadores; e dos delictos dos Deputados, durante o periodo da Legislatura”, além de “conhecer da responsabilidade dos Secretarios, e Conselheiros de Estado”. No de número 99, estabelece que a pessoa do imperador é inviolável e sagrada, não estando sujeita a nenhuma responsabilidade. Também cita que ao Supremo Tribunal de Justiça cabe “conhecer dos delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomatico, e os Presidentes das Provincias”.

Na primeira constituição do período republicano, de 1891, apenas o presidente é submetido ao foro privilegiado: em casos de crime comum, deveria ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF); em contexto de crime de responsabilidade, pelo Senado. Se condenado, seria suspenso de suas funções.

De acordo com o relatório da Câmara, a partir deste momento, “o foro especial por prerrogativa de função conheceu um progressivo e constante alargamento nas Constituições subsequentes no século 20, até chegar ao sistema atualmente em vigor, extremamente pródigo na atribuição desses foros especiais”.

A Carta Magna de 1934 estendeu o direito de julgamento diferenciado, além do presidente da República, aos ministros da Corte Suprema e de Estado, procurador-geral da República, juízes dos tribunais federais e Cortes de Apelação dos estados, ministros do Tribunal de Contas, embaixadores e ministros diplomáticos. Já a Constituição de 1937 concedeu a prerrogativa de foro também a ministros do Supremo Tribunal Federal e a juízes inferiores, na esfera estadual.

Na constituição seguinte, de 1946, são incluídos na possibilidade de foro especial os juízes dos Tribunais Superiores Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho, dos Tribunais de Justiça dos Estados e chefes de missão diplomática de caráter permanente. No âmbito estadual, ficou determinado que juízes de instâncias inferiores seriam processados e julgados pelo Tribunal de Justiça. A Constituição de 1967, promulgada durante a ditadura militar, basicamente manteve o número de indivíduos com direito ao foro, englobando ainda, na esfera estadual, os membros do Tribunal de Alçada e os ministros dos Tribunais de Contas.

A Constituição de 1988 e as leis que a complementam alargaram ainda mais a abrangência do foro privilegiado, conferindo-o, além de figuras já citadas nas Cartas Magnas anteriores, a autoridades como o vice-presidente da República; membros do Congresso Nacional; comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica; governadores; desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal; membros do Ministério Público da União; prefeitos; entre outros.

Constituições europeias

O estudo produzido pela Câmara dos Deputados também compara a atual Constituição brasileira às de alguns países europeus quanto às hipóteses de foro por prerrogativa de função.

Na Espanha, por exemplo, a Lei Maior prevê que a Câmara Penal do Tribunal Supremo julgue causas contra deputados, senadores, presidente da República e demais membros do governo.

A Constituição italiana, por sua vez, estabelece que as acusações contra o presidente sejam julgadas pelo Tribunal Constitucional. Os crimes cometidos pelo presidente do Conselho dos ministros e pelos ministros devem ser apreciados pela jurisdição ordinária, mas apenas após autorização do Senado ou da Câmara dos Deputados.

Na Áustria, o presidente, membros do governo federal, dos governos locais e da administração da capital, além de governadores, são julgados pela Corte Constitucional.

Em Portugal, o presidente é julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça por infrações cometidas durante seu mandato. A Constituição da Alemanha também dispõe sobre o julgamento do presidente, que deve ser levado a cabo pela Corte Constitucional caso a autoridade tenha infringido a Lei Fundamental ou qualquer outra lei federal.

A Carta Magna da Dinamarca determina que a Alta Corte do Reino decida pelo impeachment dos ministros de Estado após provocação do rei ou do parlamento.

Na Noruega, há a possibilidade constitucional de a Corte de Impeachment julgar ações ajuizadas pelo Parlamento contra “membros do Conselho de Estado, da Corte Suprema” ou do próprio Parlamento “por condutas criminosas ou ilegais, nos casos em que essas autoridades tenham violado suas obrigações constitucionais”, conforme indica o relatório da Câmara.

O documento, por fim, assinala que, embora não se trate exatamente de foro privilegiado, na Suécia e na Noruega o rei goza de imunidade absoluta.

A conclusão do levantamento, que aponta ainda os pontos negativos e positivos do instituto em questão no Brasil, é a de que nenhum dos países analisados “previu tantas hipóteses de foro privilegiado como a Constituição brasileira de 1988”. Portanto, classificamos também como correta a declaração de Moraes.

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