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Pugilista que ganhou medalha de bronze nas Olimpíadas de Londres solta o verbo e mais ataca do que esquiva sobre as dificuldades de ser atleta no Brasil

Entrevista
17 de agosto de 2012
09:00
Este artigo tem mais de 12 ano

Ao receber a medalha de bronze na estreia do boxe feminino nas Olimpíadas de Londres, a baiana Adriana Araújo quebrou um jejum de 44 anos do boxe brasileiro sem medalhas olímpicas e deu o recado: “Precisam valorizar mais o boxe, principalmente o presidente da confederação. Ele já me menosprezou muito, várias vezes. Disse que eu não tinha condição nenhuma de me classificar. Só para calar a boca dele, me classifiquei e conquistei a medalha. O povo brasileiro precisa saber o que a gente passa na seleção. Ele já me humilhou várias vezes, me tirando da seleção”.

Atingido pela declaração, o presidente da Confederação Brasileira de Boxe, Mauro Silva, reagiu dizendo que o desabafo de Adriana não passava de politicagem.

“Nem minha mãe, nem meu pai nem meu técnico estão concorrendo à eleição na Confederação”, respondeu Adriana em entrevista ao Copa Pública. “O que eu disse quando ganhei a medalha (…) foi porque o boxe feminino nunca teve ajuda de ninguém. E mesmo assim, com o pouco que a gente tinha, sempre deu muito pela seleção”, sustentou a atleta.

Depois de abandonar o futebol que jogava na adolescência por não ver chances de carreira –  “O Brasil é o país do futebol masculino”, diz  – Adriana resolveu acreditar técnico de boxe Luiz Dórea que disse que ela tinha futuro e passou oito anos trabalhando de dia e treinando a noite, sem qualquer tipo de ajuda ou patrocínio.

Em resposta à presidente Dilma Roussef, que pediu mais medalhas em 2016, Adriana soltou mais um direto: “Você pode ter certeza de que essa é a vontade de todos nós. Mas para ter mais medalhas, precisa ter, pelo menos, mais investimento e mais reconhecimento para os atletas”.

Como e quando você decidiu fazer do boxe sua profissão?

Eu resolvi ter o boxe como profissão em 2002, depois que meu treinador desde o começo, Luis Dórea disse que eu poderia chegar ao título mundial. Eu já jogava futebol, sempre fui apaixonada por esportes. Treinava o boxe desde os 17 anos mas a partir dessa conversa tomei gosto pelo que estava fazendo. Eu sempre quis levar o nome do meu país, da minha pátria ao topo. O boxe feminino até então não era olímpico, a gente não tinha nenhum apoio, nenhuma ajuda. Quando eu fiquei sabendo, mais ou menos em 2008, que o boxe feminino poderia entrar nas Olimpíadas, agarrei a oportunidade com unhas e dentes.

E nesse caminho você teve incentivo, apoio, patrocínio, ajuda do governo?

Durante oito anos de carreira eu não tive apoio nenhum, a não ser do meu próprio treinador, que me ajudou muito. Para me manter, trabalhava de dia e treinava a noite. Trabalhei como zeladora de um prédio, depois eu consegui um trabalho numa empresa daqui de Salvador chamada Coelba (Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia), como cadastrante. Em 2008 apareceu a primeira oportunidade de ter uma ajuda, do Governo Federal: o bolsa-atleta. Aí larguei tudo e pude me dedicar só ao boxe. Eu recebia R$ 1500 e já era uma grande ajuda para mim, porque, pô, para quem não ganhava nada né? Só o fato de ter parado de trabalhar em outras coisas, de aliviar a carga horária que eu tinha, já ajudou. Eu entrava no serviço às oito horas da manhã e largava cinco horas da tarde. Só então eu ia treinar. Era muito estressante, cansativo para caramba. A medalha olímpica veio hoje, mas graças a Deus, há anos e mais anos, eu venho trazendo resultados para o meu país. 

Ser mulher tornou a sua trajetória mais difícil?

No começo, quando o boxe feminino ainda não era esporte olímpico sim. Era muito mais difícil conseguir apoio, patrocínio. Fiquei muito tempo sem a ajuda de ninguém. Muitas vezes eu tinha um torneio internacional e tinha que dar um jeito de custear, como o Pan-Americano. Mas em 2008, quando fui disputar meu primeiro campeonato internacional na China, o então presidente da Confederação Brasileira de Boxe, da gestão anterior a esta, Luiz Bozelli, pagou minha passagem.

E o que aconteceu quando mudou essa gestão?

Eu não estou aqui para fazer politicagem com a imagem de ninguém como disseram. Nem minha mãe, nem meu pai nem meu técnico estão concorrendo a eleição na Confederação. O que eu disse quando ganhei a medalha, que era para calar a boca do presidente da Confederacão, foi porque o boxe feminino nunca teve ajuda de ninguém. E mesmo assim, com o pouco que a gente tinha, sempre deu muito pela seleção. Depois que entrou essa gestão houve uma grande mudança porque antes cada atleta treinava com seu treinador, o Dórea era meu mestre há mais de 10 anos, já me conhece e ele sim me ajudou a construir minha carreira. Esse presidente atual (Mauro Silva) achou que estava lidando com soldados e tentou fazer uma seleção de quartel, obrigando os atletas a se mudar para São Paulo e treinar com outros treinadores.

Mas o que está por trás disso?

Eu não sei. A gente sabe que a Bahia é um celeiro de atletas. Grande parte dos atletas da seleção hoje é da Bahia. Vários campeões mundiais. Ele agrediu meu técnico, disse que a Bahia é um puleiro e que eu não tinha capacidade de chegar lá várias vezes. Nunca tive apoio nenhum dele. Os dois anos que eu fiquei na seleção foram muito prejudiciais. Fiquei longe da minha família, do meu técnico, de tudo. Mas graças a Deus eu consegui me superar, dar a volta por cima, foi uma das coisas mais dificeis da minha vida. E naquele momento eu fiz um desabafo por causa disso tudo que eu tinha passado.

Você acha que pode ser prejudicada por causa da declaração?

Com certeza. Ele é o presidente eu sou a atleta. Quem tem o poder é ele. Eu posso receber represália, ele pode me tirar da confederação. Mas eu faço boxe porque amo. E consegui essa medalha porque aguentei ficar lá, não por dinheiro mas porque eu tinha um sonho. Então eu venci.

Você disse que jogou futebol antes de ir para o ringue. Você consegue fazer uma comparação entre os dois esportes? Acha que também falta incentivo para as categorias de base do futebol?

Eu tinha paixão pelos dois esportes. Só que não via como crescer no futebol. O futebol feminino precisa muito de investimento, nós somos o país do futebol masculino. Mas no boxe também não existe um apoio da Confederação para os atletas de base.

E você pretende continuar no boxe?

Pretendo continuar no boxe olímpico. Se não mudar o limite de idade, até lá eu vou estar com 34 anos, que é a idade máxima para competir. Espero poder disputar no Rio de Janeiro.

E o que você pensa quando vê o investimento milionário que está sendo feito nos preparativos da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, enquanto você mesma passou oito anos sem apoio nenhum?

Eu fico chateada. E não só com isso, mas também por ver os jogadores de futebol ganhando milhões e os atletas que batalham em esportes solo muitas vezes sem receber nada. Desta vez a gente conseguiu trazer essas três medalhas. Com mais investimento tenho certeza que serão muito mais.

Falando nisso, a Dilma disse que quer mais medalhas em 2016. O que você, como atleta, gostaria de responder?

Olha… eu ganhei uma medalha e não encontrei com ela. Acho que primeiramente a gente tinha que ter reconhecimento como atleta. Fui bem recebida aqui na minha cidade pela minha família e meus amigos, mas só. Você pode ter certeza de que essa é a vontade de todos nós. Mas para ter mais medalhas, precisa ter, pelo menos, mais investimento e mais reconhecimento para os atletas.

 

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