Buscar

No último sábado (14), a Pública lançou seu primeiro livro-reportagem, Amazônia Pública, com um debate aberto na Praça Roosevelt, em São Paulo

Reportagem
17 de dezembro de 2013
09:00
Este artigo tem mais de 11 ano

Debaixo da lona montada especialmente para levar a Amazônia à praça pública, em São Paulo, especialistas em Amazônia nas áreas de energia, ambiente, comunicação, além de representantes de movimentos e ONGs que atuam na região debateram os dilemas que vive a região – entre a necessidade de preservação, essencial também para a qualidade de vida da população da região, e a pressão pelo desenvolvimento. Um público de cerca de 100 pessoas compareceu ao debate – e  todo mundo que passou por lá recebeu um exemplar do livro Amazônia Pública. O livro reúne três séries de reportagens sobre os impactos de grandes empreendimentos na Floresta Nacional de Carajás e no rio Tapajós, no Pará, e no rio Madeira, em Rondônia. Toda a apuração foi feita em campo por seis repórteres.

Baixe aqui o livro Amazônia Pública.

No evento houve a distribuição gratuita do livro Amazônia Pública nas versões em português e em inglês. Foto: Felipe Di Pietro
No evento houve a distribuição gratuita do livro Amazônia Pública nas versões em português e em inglês. Foto: Felipe Di Pietro

Antes do debate foram exibidos três vídeos, realizados pelas equipes de reportagem. Depoimentos de pessoas que nasceram ou atuam na Amazônia – como o escritor Milton Hatoum e o cineasta Aurélio Michelis – ambos de Manaus, que falaram sobre sua relação com a cidade e a floresta e expuseram suas expectativas para a região.

Questão energética

O debate começou com a pergunta que se faz desde que os brasileiros tomaram conhecimento da construção da hidrelétrica de Belo Monte – que obteve grande repercussão pelos protestos de ribeirinhos e indígenas do Xingu: Afinal, vale a pena construir hidrelétricas na Amazônia? Quem se beneficia dessa energia não apenas do Xingu, mas do rio Madeira (com as hidrelétricas Jirau e Santo Antônio) e as planejadas no projeto de hidrelétricas do Tapajós, o lindo rio azul de ribeirinhos e mundurukus no Oeste do Pará.

O professor Célio Bermann, do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE/USP), foi taxativo: “É mentira a necessidade de energia elétrica para o desenvolvimento”, disse, acrescentando que não é a pressão pelo consumo das novas classes médias que está pressionando a demanda. Segundo o professor, 30% da energia gerada no país é consumida inteiramente por seis setores da indústria: a siderurgia, a indústria de metais não ferrosos, de ferro-ligas, petroquímica, papel e celulose e cimento. “Nós estamos vivendo no país uma autocracia energética”, disse, referindo-se à prioridade dada a produção de energia em detrimento da preservação de recursos naturais.

Ao final do debate, o público participou com perguntas. Foto: Felipe Di Pietro
Ao final do debate, o público participou com perguntas. Foto: Felipe Di Pietro

Bermann, que há 20 anos trabalha com questões energéticas na Amazônia, apontou alternativas trazidas em um estudo do IEE/USP, que mostra a possibilidade de suprir a demanda da população brasileira por 10 anos com a construção de 66 usinas eólicas de 30 megawatts de potência, bem mais limpa e menos impactante, do ponto de vista do território, do que as hidrelétricas. Além disso, explicou o professor, essas usinas poderiam se localizar próximas às cidades para evitar a perda de potência no transporte da energia por linhas de transmissão.

“[A usina hidrelétrica de] Belo Monte não está sendo construída para gerar energia elétrica. Está sendo construída porque em cinco anos as empresas que hoje dominam o governo vão embolsar R$ 17 bilhões”, disse, referindo-se ao fato de as empreiteiras serem as grandes beneficiárias das obras e grandes doadoras eleitoras. O professor criticou ainda a ausência de consulta preliminar por parte do governo e das empresas à academia – para discutir a necessidade e a melhor maneira de realizar as obras – e às comunidades tradicionais e indígenas, que embora sejam as mais afetadas ainda não têm seu direito de veto assegurado nas discussões sobre estes megaempreendimentos. “As consequências sociais e ambientais são irreversíveis. Mitigação é um belo nome para dizer nada”, afirmou.

A mesa de debate foi composta (da esquerda para a direita) por Marcelo Salazar (ISA), Danilo Chammas (Rede Justiça nos Trilhos), Nilo D'ávila (Greenpeace), Elaíze Farias (jornalista) e Célio Bermann (IEE/USP), com mediação de Marina Amaral, diretora da Pública (de vermelho, ao centro). Foto: Felipe Di Pietro
A mesa de debate foi composta (da esquerda para a direita) por Marcelo Salazar (ISA), Danilo Chammas (Rede Justiça nos Trilhos), Nilo D’ávila (Greenpeace), Elaíze Farias (jornalista) e Célio Bermann (IEE/USP), com mediação de Marina Amaral, diretora da Pública (de vermelho, ao centro). Foto: Felipe Di Pietro

Marcelo Salazar, do Instituto Socioambiental (ISA) de Altamira, onde fica a usina de Belo Monte – para ele, “o maior símbolo de “inadimplência socioambiental” – relatou o que está acontecendo na região, onde vive desde 2007. “O que estou vivenciando em Altamira é um verdadeiro rolo compressor. A pressão social parece não ter força”, disse.

Salazar explicou que além dos impactos às comunidades próximas às obras da hidrelétrica, o empreendimento gera conflitos que reverberam por uma área bem maior do que a da usina, propriamente dita. Ele destacou o aumento de extração ilegal de madeira na região e, do lado urbano, o encarecimento do custo de vida e o alarmante crescimento da violência na cidade. “Uma em cada três pessoas tem um parente ou conhecido que foi assassinado”, revelou.

Salazar também criticou a postura do governo em relação às comunidades indígenas. “O governo não aplica recursos para a Funai e usa a Eletrobrás e a Eletronorte para fazer a política indigenista na região”, disse, referindo-se às compensações financeiras que as empresas devem pagar pelos impactos causados à população indígena e que deveriam ser mediadas pelo órgão encarregado de protegê-la.

Mineiração no sul do Pará

Danilo Chammas, advogado da Rede Justiça nos Trilhos, lembrou os impactos que mega empreendimentos causam a comunidades tradicionais e quilombolas. É o caso do projeto de Carajás, da mineradora Vale, no sudeste do Pará e oeste do Maranhão. Segundo ele, “uma pessoa morre por mês atropelada nos trilhos da Estrada de Ferro Carajás”. A ferrovia leva o minério de ferro extraído nas minas em Carajás ao porto de São Luís e daí à exportação, em grande parte direcionada para a China, e está sendo duplicada para escoar o aumento da produção de minério da floresta: a companhia pretende dobrar a extração quando o projeto – em implantação – estiver concluído. A obra tem financiamento do BNDES que liberou a primeira parcela do investimento mesmo quando a obra foi embargada na Justiça pelos movimentos sociais de direitos humanos, CIMI e Fundação Palmares.

O evento reuniu especialistas, jornalistas e ativistas para debaterem o modelo de desenvolvimento aplicado à região amazônica. Foto: Felipe Di Pietro
O evento reuniu especialistas, jornalistas e ativistas para debaterem o modelo de desenvolvimento aplicado à região amazônica. Foto: Felipe Di Pietro

Veja aqui o vídeo: Carajás, o maior trem do mundo 

De acordo com Chammas, Carajás é uma região em permanente conflito há pelo menos 30 anos – justamente por abrigar o maior empreendimento de minério de ferro do mundo. “Isso dentro de uma floresta nacional. O que é uma contradição”, falou.

“É realmente um negócio da China. O custo da tonelada [de minério de ferro] é de US$ 22 até o porto e dali, US$ 100, sem contar com o custo da transporte”, explicou, reafirmando que o minério de ferro extraído em Carajás é o mais barato do mundo. Chammas destacou que os problemas sociais permanecem sem solução na região, por falta de empenho da companhia Vale e do governo. Também lembrou a atuação agressiva da Vale, que chegou a infiltrar e espionar lideranças dos movimentos sociais que exigem responsabilidade social e ambiental por parte da companhia. “Somos os mais espionados”, disse Danilo.

Como a imprensa cobre a Amazônia?

A jornalista Elaize Farias, de Manaus, co-fundadora do portal Amazônia Real, falou sobre a cobertura da Amazônia pela mídia, não raro vista como “exótica” e deslocada do resto do país. “É preciso fazer a conexão da Amazônia com outras regiões. Estados como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro não sabem da relação da Amazônia com outras regiões. Não se sabe, por exemplo, que a madeira extraída ilegalmente vem para os pólos moveleiros de São Paulo e de Minas Gerais ”, destacou.

Elaíze Farias, jornalista amazonense, ao centro, criticou a cobertura jornalística que a mídia nacional dá à região amazônica. Foto: Felipe Di Pietro
Elaíze Farias, jornalista amazonense, ao centro, criticou a cobertura jornalística que a mídia nacional dá à região amazônica. Foto: Felipe Di Pietro

Nilo D’Ávila, do Greenpeace, que falou das políticas públicas em vigor para a Amazônia, também reforçou a importância de analisar os projetos e políticas para a região levando em conta não apenas o contexto nacional, mas continental da floresta, que se expande pelos territórios do Peru, Equador, Bolívia. O ativista também criticou o debate pouco transparente do Código da Mineiração, colocado para votação em regime de urgência, sem a participação da população, embora fundamental para decidir o futuro dos nossos recursos naturais do ponto de vista econômico, ambiental e social, especialmente por envolver projetos de mineração de em terras indígenas.

No último sábado (14), a Amazônia virou tema de debate em praça pública no lançamento do livro Amazônia Pública. Foto: Felipe Di Pietro
No último sábado (14), a Amazônia virou tema de debate em praça pública no lançamento do livro Amazônia Pública. Foto: Felipe Di Pietro

Entre pessimistas e otimistas, os debatedores vêem 2014 como um ano decisivo para a reação popular a megaempreendimentos na região. É o ano em que deve sair, por exemplo, a licença de operação para a usina de Belo Monte e a de instalação duas hidrelétricas do Tapajós. Para Marcelo Salazar, do ISA, “precisamos nos inspirar nesses movimentos de ruas e reinventar as formas de manifestação”. E, como observou o professor Célio Bermann, disseminar informação de qualidade para disseminar o debate.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Leia também

Vazamento de informações expõe espionagem da Vale

Por

Emails, planilhas, fotos e denúncias de ex-gerente de segurança, que representa contra a companhia no MPF, mostram que a Vale espiona os movimentos sociais e grampeia funcionários - e até jornalistas - para defender seus interesses

WIKILEAKS: Os alunos de Clouseau

Por , ,

Documentos inéditos sobre a atuação da Stratfor no Brasil expõem o amadorismo de espiões e fontes. Sua representante foi recebida no Gabinete de Segurança Institucional da presidência

Notas mais recentes

Semana tem reta final do ano no Congresso, Lula de volta a Brasília e orçamento 2025


Ministra defende regulação das redes após aumento de vídeos na “machosfera” do YouTube


IA: Como PL das Fake news, 8/1 e big techs influenciaram marco da inteligência artificial


Pacote fiscal vira motivo para cortar verba da Inteligência para 2025


Nova plataforma monitora ameaças e pressões sobre os povos indígenas isolados


Leia também

Vazamento de informações expõe espionagem da Vale


WIKILEAKS: Os alunos de Clouseau


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes