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Levantamento revela que as proposições anti-indígenas avançaram mais do que outras

Reportagem
24 de abril de 2018
12:01
Este artigo tem mais de 6 ano

Com mais de 200 deputados e cerca de 20 senadores, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), conhecida como bancada ruralista, representa os produtores rurais e latifundiários e costuma votar em bloco em projetos de interesse comum, sobretudo quando o foco envolve a questão indígena.

Um estudo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) revelou no ano passado a existência de 33 proposições anti-indígenas em andamento na Câmara e no Senado. Somadas às propostas apensadas que tratam de temas semelhantes, elas ultrapassam uma centena.

Levantamento inédito da Pública com base nas informações do Cimi identificou ainda que as propostas prejudiciais aos indígenas tiveram mais espaço nesta legislatura (2015-2018) do que nos últimos 20 anos. Entre 1995 e 2014, essas proposições registraram 1.926 tramitações no Congresso. Já de 2015 em diante, as mesmas propostas tramitaram 1.930 vezes.

Quando comparado ao restante das proposições, ou seja, todas aquelas que não entraram na pesquisa do Cimi, o ritmo no andamento dessas pautas na presente legislatura também é mais intenso do que a média. Entre 2015 e 2018, as propostas anti-indígenas tramitaram 28,8 vezes; já as outras, somente 17,2 vezes.

O movimento acentuado das proposições que impactam os direitos indígenas não significa, necessariamente, que a pauta avançou para a aprovação no Congresso, mas indica que o tema se tornou uma das prioridades da última legislatura.

Propostas anti-indígenas

São muitas as proposições que apontam riscos à sustentabilidade das comunidades vulneráveis e do patrimônio natural do país (veja lista completa). Entre as principais está a polêmica PEC 215/2000, que tramitou por mais de uma década sem nenhum consenso até que, em 2015, os ruralistas conseguiram colocá-la novamente em pauta com o auxílio do então presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em seguida por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Em meio a outras mudanças, a proposta sugere que os indígenas não têm direito à terra caso não estivessem em posse dela em 1988, ano em que a Carta Magna foi promulgada. Porém, o texto não considera aqueles que foram expulsos de seus locais de origem por fazendeiros e militares, por exemplo, além de proibir a ampliação de territórios já demarcados.

Artionka Capiberibe, professora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), critica essa tese, intitulada marco temporal. “Primeiro, porque poderia ser qualquer data e, se for para ser qualquer data, por que não 22 de abril de 1500? Segundo, porque é uma imposição que ignora por completo a história de espoliação, deslocamentos forçados e extermínio das populações indígenas no Brasil”, ressalta.

Na visão da especialista, a guerra declarada dentro do Legislativo acaba induzindo a opinião pública a se colocar contra os povos nativos, o que pode agravar as situações de violência. “A prova de que esse discurso de ódio, aliado à inação e omissão dos executivos estaduais e federais, tem um efeito prático que são os assassinatos de lideranças indígenas que não cessam de acontecer”, enfatiza.

Outro exemplo de proposta anti-indígena é o Projeto de Lei 3.729/2004, que flexibiliza o licenciamento ambiental para obras de infraestrutura, como rodovias e hidrelétricas. Enquanto os defensores do projeto justificam que o excesso de burocracia afugenta investidores, ecologistas acreditam que a falta de rigor no processo pode gerar desastres no ecossistema e rejeitam que a ideia seja aprovada sem um diálogo maior com a sociedade.

O PL 4.059/2012 também tem sido motivo de críticas ao modificar as regras para a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil, assim como o PL 1.610/1996, que permite exploração mineral em terra indígena.

Há ainda o PLS 494/2015, que pretende excluir dos processos de demarcação os territórios que forem palco de conflitos e ocupações indígenas, e o RCP 26/2016, destinado a criar a Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Na CPI, a relatoria pediu o indiciamento de 67 pessoas por supostas irregularidades em processos demarcatórios, incluindo indígenas, antropólogos, servidores, professores universitários e integrantes de organizações não governamentais. Estes, por sua vez, afirmam estar sendo perseguidos por causa de suas ações na proteção dos direitos dos povos tradicionais.

Boi, bala e Bíblia

A atual formação do Congresso Nacional é a mais conservadora desde 1964. A conclusão é de um levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). O grande número de policiais, religiosos, fazendeiros e empresários eleitos por partidos de direita e centro-direita em 2014, segundo o órgão, também é tendência para o pleito deste ano.

Levantamento da Pública mostra que somente a Amazônia Legal – que engloba os sete estados da região Norte mais Maranhão e Mato Grosso – concentra 49 deputados da Frente Parlamentar da Segurança Pública, 35 representantes da Frente Parlamentar Evangélica e 45 da FPA.

Os três grupos são conhecidos como bancada BBB, por fazerem a união entre a bancada armamentista (“da bala”), a ruralista (“do boi”) e a evangélica (“da Bíblia”). Cerca de 81% dos deputados federais da Amazônia Legal, responsável por abrigar o bioma com a maior diversidade de espécies do planeta, compõem pelo menos uma dessas bancadas.

Entre as 33 proposições levantadas pelo Cimi, por exemplo, 17 foram de autoria de dez deputados da bancada BBB. Além disso, cinco dos dez autores dessas propostas são deputados de estados da Amazônia Legal.

Ruralistas

O ruralista Luís Carlos Heinze (PP-RS) se tornou centro da atenção da mídia algumas vezes por causa de suas opiniões. Em 2014, ele aparece em um vídeo gravado durante uma audiência com produtores rurais do Rio Grande do Sul, em que definia quilombolas, índios, gays e lésbicas como “tudo o que não presta”.

Suas declarações renderam a ele o título de “Racista do Ano”, concedido pela entidade estrangeira Survival no dia 21 de março, data alusiva ao Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

Em sua defesa, o deputado gaúcho afirma que a disputa por terras tem como objetivo garantir condições para que os empresários fiquem amparados e continuem apostando no país. “Como um investidor pode se sentir seguro se amanhã fazem um laudo antropológico dizendo que a terra é do índio? Se o Brasil foi descoberto em 1500, ninguém pode fazer mais nada? Então desmancha o Congresso, porque ali também era terra indígena. São verdadeiros abusos que acompanhamos e queremos regularizar”, argumentou à Pública.

O parlamentar sustenta que os proprietários sejam indenizados ao negociar os territórios com a União. “Pegamos outra terra, oferecemos para eles, mas queriam aquela. O Ministério Público diz que tem que ser aquela. Se as terras são legítimas, tudo legalizado, e o governo quer aquele pedaço, então pague, que banque aquela situação”, frisa.

Para ele, os espaços conquistados pelos indígenas já são suficientes. “Quantos hectares de terra eles já têm? São 100 milhões de hectares, 13% do território brasileiro. Em qual país do mundo isso acontece? Dessas ONGs [internacionais] que vêm aqui, em qual país da Europa tem isso? Quem manda aqui somos nós, não vem ‘feder’ aqui. Os próprios índios querem trabalhar conosco. Eles estão morrendo de fome”, finaliza.

Conforme a presidente da FPA, deputada Tereza Cristina (DEM-MS), a prioridade dada à demarcação de terras é um modo de oferecer segurança jurídica aos produtores rurais. Ela ressalta que o processo ocorre hoje “de forma arbitrária e subjetiva”, arrastando por muitos anos a solução dos eventuais conflitos.

Tereza enfatiza que regras mais firmes, previstas em lei, garantiriam estabilidade ao setor. “Uma localidade onde têm conflitos pela terra, que não são definidos, fica fragilizada. Ninguém vai investir com uma insegurança dessas. Os investimentos param e os preços da terra caem. É preciso devolver ao campo a harmonia para que indígenas e agricultores voltem a compartilhar, a trabalhar em parceria, a viver em equilíbrio”, observa.

Já Jerônimo Goergen (PP-RS), que também é autor de um projeto que visa classificar o Movimento dos Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) como grupos terroristas, entende que os povos nativos estão sendo manipulados por ativistas. “O índio de verdade não precisa de mais terra, precisa de uma política que garanta seus costumes. Não é o tamanho da terra que assegura suas tradições. Há uma confusão ideológica. O indígena é produto de movimentos que não têm interesse em desenvolver o Brasil”, diz.

Conjuntura desfavorável

Mesmo sem tanta visibilidade, há também uma parcela de congressistas esforçados em conter os ataques às minorias. A deputada Erika Kokay (PT-DF) é um dos nomes geralmente lembrados por sua atividade associada aos direitos humanos.

Ela reconhece que o empenho na promoção de medidas progressistas acaba sufocado diante da postura dos demais colegas. “Nós temos proposições que asseguram a representação dos indígenas no Parlamento, proposições que são importantes, mas estão absolutamente invisibilizadas e amordaçadas”, protesta.

“A pauta positiva, que poderia empoderar essa população, assegurar espaços e direitos, essa está completamente esmagada pelos tratores ruralistas e está com as estacas, as cercas do latifúndio fincadas no seu coração. Ainda não fizemos o luto do colonialismo, onde os donos da terra também se sentem donos das pessoas e donos do próprio país”, complementa.

Desde 2011 existe uma Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, relançada na atual legislatura, em 2015, por iniciativa do deputado Ságuas Moraes (PT-MG). Apesar de reunir a assinatura de 211 parlamentares, são poucos os que, de fato, intervêm de forma mais ostensiva.

Um dos principais desafios da equipe é colocar em votação o Estatuto dos Povos Indígenas, matéria que aguarda aprovação do Congresso Nacional há mais de 20 anos e reúne um conjunto de interesses dos indígenas relacionados à saúde, educação, preservação cultural, assim como a demarcação de terras, tão atacada por boa parte dos setores econômicos.

Mas, na avaliação do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), a conjuntura não é favorável para que o plano seja bem-sucedido. “Nós estamos no tempo da resistência, mais do que da afirmação positiva. Se cumprirmos a Constituição, já está muito bom porque até isso eles querem alterar”, destaca. Para o psolista, a batalha tem sido no sentido de conter o recuo dos direitos já adquiridos.

“Só tenho esperanças com um novo Congresso, um Senado renovado em dois terços, uma Câmara que vai colocar as 513 vagas em disputa. Eu entendo que a partir daí a gente pode avançar no novo Estatuto dos Povos Indígenas e começar a ter um papel mais protagonista, proativo, mais do que de mera resistência. No atual Congresso, mesmo com a luta aguerrida dos povos indígenas, a gente no máximo evita males. É uma redução de danos”, lamenta.

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