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Desmatamento e violações aos direitos humanos atingiram o recorde no governo Bolsonaro; a democracia, desprezada em discursos das autoridades, sofreu com o desmantelamento das instituições e a perseguição à imprensa

Da Redação
20 de dezembro de 2019
07:33
Este artigo tem mais de 4 ano

O ano que pôs o jornalismo à prova

A violência de discurso contra mulheres, gays, indígenas, quilombolas, nordestinos – e contra a própria imprensa – fez soar o alarme ainda na campanha eleitoral. Se o presidente Jair Bolsonaro ganhasse, teríamos um governo de extrema direita e radicalmente misógino, como notou o intelectual português Manuel Loff . Na redação, nos preparamos para uma cobertura ampla do governo de um candidato eleito sob o símbolo das armas, com a marca do autoritarismo, e que, como estratégia de comunicação com a sociedade, promovia a perseguição aos jornalistas – e aos fatos – e elegia como missão o ataque à cultura, aos movimentos e às organizações sociais.

Uma de nossas primeiras reportagens do ano mostrou o desvirtuamento do Ministério de Direitos Humanos, que passou a se chamar Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ao ser liderado por uma pastora que defende a imagem bíblica da “mulher virtuosa”, submissa ao homem e desinteressada de seus direitos. Seus secretários foram escolhidos entre evangélicos e católicos militantes, contrários aos direitos LGBT e ao aborto. Um general, que se posicionou contra a Comissão da Verdade, passou a presidir a Comissão da Anistia.

Prenúncios do que viria. Em abril, o ministério foi acusado de impedir inspeções a presídios no Ceará pelos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção ao Combate à Tortura, demitidos em massa por Bolsonaro dois meses depois. Os conselhos que contavam com a participação da sociedade civil, entre eles o do trabalho escravo, foram extintos. A promessa de combater a violência contra a mulher traduziu-se na prática em desmonte dessas políticas, abandono da rede de proteção e criminalização das vítimas. Um exemplo contundente: confrontada com o holocausto das meninas estupradas na Ilha de Marajó, Damares atribuiu o problema ao fato de as meninas “não usarem calcinha”. A reportagem da Pública visitou a região e mostrou problema bem diverso e complexo, que a ministra deveria conhecer.

“Terrivelmente evangélica”, Damares ampliou sua cruzada para além das atribuições do ministério. Atuou nos bastidores da eleição do Conselho de Psicologia por uma chapa pró-cura gay, que acabou perdendo. Entregou a tarefa de fazer o texto-base do 4o Plano dos Direitos Humanos à Anajure – Associação Nacional de Juristas Evangélicos. Damares foi uma das fundadoras da associação, que reúne cerca de 700 juristas e faz lobby no Congresso e nas audiências do STF em prol das bandeiras das igrejas evangélicas. Sua próxima façanha pode ser a nomeação de um ministro do STF “terrivelmente evangélico”, como prometeu o presidente Bolsonaro. O plano de poder dos evangélicos, como vem mostrando o projeto Transnacionais da Fé, uma colaboração entre jornalistas de 16 países sob a liderança da Escola de Jornalismo da Universidade Columbia, é continental. E é impulsionado pelos Estados Unidos de Trump.

Invasão de terras indígenas, assassinatos no campo, queimadas na Amazônia

O ministério de Damares também foi encarregado de desidratar a já esquálida Funai até o STF mandar devolver o órgão ao Ministério da Justiça. A atribuição de demarcar terras indígenas, que havia sido transferida ao Ministério da Agricultura, voltou à Funai, que, no entanto, seguiu sendo desmontada por influência de Nabhan Garcia, o secretário de Assuntos Fundiários, um dos articuladores do apoio dos ruralistas à campanha de Bolsonaro, bem como do decreto que liberou as armas em propriedades rurais.

Nabhan compartilha da mesma visão sobre a Amazônia do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles, o primeiro titular do Meio Ambiente que é “antiambientalista”, como definiu em entrevista à Pública a ex-ministra Marina Silva, ao comentar o desmatamento que atingiu o recorde da década, entre agosto de 2018 e julho de 2019, como resultado dessa união entre governo e ruralistas radicais.

A perseguição às ONGs na Amazônia, impulsionada por robôs disseminando fake news na internet, como apuramos, chegaria ao mundo real no fim do ano, via a absurda prisão dos brigadistas em Alter do Chão, que, ao que tudo indica, buscava fundamentar a alegação estapafúrdia do presidente, feita desde o início das queimadas, de que as organizações da sociedade civil teriam colocado fogo na floresta que defendem.

O projeto de Bolsonaro de privatizar as terras públicas federais, constitucionalmente destinadas aos territórios indígenas, reforma agrária e preservação ambiental, consagrou-se na MP de regularização agrária. Promulgada durante a COP-25, foi mais uma bomba que caiu na imagem do governo brasileiro, desgastada pela morte de sete indígenas este ano e pelas sucessivas catástrofes ambientais mal conduzidas, quando não provocadas pelo governo.

Ao desmonte da proteção ambiental, desautorizada desde o início pelo presidente, e à iniciativa de armar os fazendeiros, se somaram o abandono da demarcação das terras indígenas, dos assentamentos de reforma agrária, dos territórios quilombolas. Em maio, os inevitáveis conflitos decorrentes dessa política passaram a ser cobertos pelo projeto Amazônia sem Lei, com reportagens que investigam a origem dos assassinatos de lideranças comunitárias, expõem as ameaças que sofrem os ambientalistas, vão às áreas mais atingidas pelo desmatamento e pelas queimadas e jogam luz sobre o crime organizado, respaldado pela política ambiental do governo e enfrentado por indígenas e outras comunidades desamparadas. Até o momento, 28 pessoas foram mortas nesses conflitos em 2019.

Passamos a investigar sistematicamente também a liberação inédita de novos agrotóxicos pelo governo, em parceria com a Repórter Brasil, por meio do projeto Por trás do Alimento, que há um ano vem trazendo revelações estarrecedoras: da morte de meio bilhão de abelhas provocada pelo veneno à guerra química contra comunidades indígenas; da perseguição a pesquisadores, críticos do uso dos agrotóxicos, à morte de ambientalistas. Em maio, o Robotox passou a tuitar a cada liberação de pesticidas pelo governo. Desde janeiro, já foram 467 produtos liberados, a maioria deles fabricada fora do Brasil e muitos proibidos pela vigilância sanitária de outros países.

Corrupção, violência policial e milícias

Se no Brasil essas denúncias não encontraram ouvidos, esse foi um ano de apelar para a comunidade internacional. No dia 10 de dezembro, quando se comemorou o Dia Nacional dos Direitos Humanos, o jornalista Jamil Chade reportou 37 denúncias feitas contra o Brasil na ONU em 2019, o “pior momento internacional em termos de direitos humanos desde a redemocratização”.

Além do genocídio contra os indígenas, entre as denúncias levadas à ONU estão a situação dos presídios, a violência e a impunidade policial – incluindo a atuação de militares em GLO, quase nunca punida pela Justiça Militar, investigada por meses pela Pública. O assassinato de Marielle Franco, ainda sem solução, e a atuação das milícias são outras preocupações da comunidade internacional de direitos humanos, assim como a violência policial contra jovens negros e pobres – que até na Justiça são alvo de discriminação. Foi essa violência que fez o ano se encerrar tragicamente com o massacre promovido pela PM contra adolescentes e jovens em um baile em Paraisópolis.

Do ponto de vista interno, o combate à corrupção, prometido pelo candidato, foi desacreditado por denúncias contra o círculo pessoal do presidente – chegamos a fazer um mapa para dar conta de todas. Sergio Moro, símbolo desse combate, também foi atingido pela Vaza Jato, do site The Intercept Brasil, que expôs a promiscuidade do juiz com os procuradores, engajamento político e direcionamento das investigações. Nesse contexto é que a prisão de Lula, entrevistado pela Pública dias antes de ser libertado, foi revogada pela decisão do STF contrária à prisão automática em condenações de segunda instância.

Em setembro, a Pública anunciou sua parceria com o The Intercept Brasil, com a publicação de uma reportagem que coloca em xeque a isenção do procurador Deltan Dallagnol – que teria protegido uma empresária acusada de corrupção e doadora do Instituto Mude, criado para promover a Lava Jato. Outra reportagem mostrou que Dallagnol articulou o apoio de evangélicos e maçons mirando uma candidatura ao Senado. A parceria continua em andamento.

“Ninguém solta a mão de ninguém”

Na tentativa de fazer uma boa cobertura jornalística do governo Bolsonaro, a frase que uniu mulheres, indígenas, gays, ambientalistas, defensores de direitos humanos, da liberdade de imprensa e outros alvos da campanha de ódio que elegeu o atual presidente acabou se revelando estratégica também para nós, da Pública.

Além do Festival 3i, em sua segunda edição nacional, foram as parcerias com fundações, outras organizações e veículos e o profundo senso de união que prevalece entre os 26 profissionais da Pública que fizeram nosso conteúdo ultrapassar a marca de 5 mil republicações. Importante destacar que, entre os mais de 900 republicadores da Pública, estão grandes veículos como o portal UOL, a Folha de S.Paulo, a Exame, o Guardian e o El País Brasil.

No quesito solidariedade, porém, a conquista mais importante foi a aliança com os leitores, renovada e aprofundada pelo Programa de Aliados, que nos leva em direção ao sonhado jornalismo patrocinado pelo público. Até o momento temos 1.130 leitores aliados que, com sua generosidade, fizeram nossa produção crescer e alavancaram um acalentado projeto: a produção de um podcast – sobre jornalismo, claro – que entrará no ar em 2020.
Nossos aliados serão os primeiros a ouvir e a opinar sobre o piloto – que já está prontinho. Afinal, o ano que vem promete mais luta por democracia, direitos humanos, ambiente e jornalismo independente. Esperamos contar com vocês ao nosso lado.

Reportagens mais lidas

Reportagens mais republicadas

Nossas reportagens são distribuídas gratuitamente para veículos do Brasil todo e também para países da América Latina. Neste ano, batemos nossos recordes: nossas matérias foram republicadas mais de 5 mil vezes por mais de 900 veículos diferentes.

1º Deltan captava recursos de empresários para Instituto Mude

Republicada por Exame.comOpera MundiYahoo!.

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2º “Coquetel” com 27 agrotóxicos foi achado na água de 1 em cada 4 municípios – consulte o seu

Além de ter sido republicada pelo UOL, este levantamento feito pelo especial Por trás do Alimento teve mais de 300 repercussões em veículos locais no país todo.

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3ª Apicultores brasileiros encontram meio bilhão de abelhas mortas em três meses

Republicada por Sul 21revista GalileuEl Diario (Espanha).

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4º Encontramos mais cinco ex-assessoras de Bolsonaro que nem pisaram no Congresso
5º Glenn Greenwald: “a Globo e a força-tarefa da Lava Jato são parceiras”

Republicada por Brasil de FatoPoligrafo (Portugal) e El Surtidor (Paraguai).

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Entrevistas

Em 2019, fizemos entrevistas importantes para compreender o momento do país.

Especiais

O especial Amazônia sem Lei investiga violência relacionada à regularização fundiária, demarcação de terras e reforma agrária na Amazônia Legal e no Cerrado.

Entre o fim de 2018 e 2019, investigamos o ‘dano colateral’ do crescente emprego das Forças Armadas em operações de segurança pública: civis inocentes mortos, casos sem solução e famílias sem Justiça. Esta série foi finalista do Global Shining Light Award, prêmio entregue a cada dois anos pela Rede Internacional de Jornalistas Investigativos.

A 9ª edição das microbolsas da Pública foi feita em parceria com a Oxfam Brasil e convocou repórteres de todo o país a propor pautas sobre a fome. O resultado foi uma série de matérias que foi indicada ao Prêmio Gabo na categoria cobertura.

Colaborações nacionais e internacionais

A Agência Pública se uniu ao esforço de cobertura realizado pelo The Intercept Brasil e outros seis veículos de imprensa para analisar mensagens privadas trocadas entre procuradores da Força-Tarefa da Lava Jato e outros membros do Ministério Público Federal (MPF) e da Justiça, como o atual ministro Sérgio Moro.

O projeto “Transnacionais da fé” é uma colaboração de 16 meios latinoamericanos, sob a liderança da Columbia Journalism Investigations da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia (Estados Unidos).

O projeto Por Trás do Alimento é uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de agrotóxicos no Brasil.

Vídeos

Imagens exclusivas obtidas pela Agência Pública com indígenas da TI Carú, no Maranhão, mostram cenas do cotidiano entre 2018 e 2019 em que homens e mulheres se arriscam para defender a floresta de crimes ambientais.

Nossa reportagem mostra os impactos da chegada do óleo em Canavieiras, na Bahia, e flagra o armazenamento em escola abandonada.

No planalto santareno, demarcação de áreas indígenas e quilombolas se arrasta por décadas, o que vem aumentando as tensões com fazendeiros da região

Pública em áudio

Em 2019, produzimos duas séries em áudio: o podcast “Histórias que ninguém te conta” e o minicast do projeto Por trás do alimento.

Histórias que ninguém te conta

podcast Histórias Que Ninguém Te Conta é uma série de reportagens produzidas pela Agência Pública sobre a zona portuária do Rio de Janeiro.

Minicast Por trás do alimento

boletim do Por trás do Alimento, é um boletim semanal sobre agrotóxicos.

Festival 3i

Em 2019, a Pública produziu a segunda edição do Festival 3i em parceria com ((o))eco, Agência Lupa, Congresso em Foco, Énois, Jota, Marco Zero Conteúdo, Nexo, Nova Escola, Poder360, Ponte Jornalismo, Projeto #Colabora e Repórter Brasil.

O 3i é um festival que junta os maiores nomes do jornalismo independente, investigativo e inspirador do Brasil e da América Latina. É a Pública fomentando o jornalismo no continente!

Prêmios

VII Prêmio República
O especial Baía 360 ganhou menção honrosa na categoria Jornalismo Web

Latam Digital Media
2º lugar na categoria melhor startup de notícias

36º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo
A reportagem “Famélicos: a fome que o judiciário não vê” e a série “Racismo institucional no judiciário” ganharam menção honrosa na categoria Online.

A reportagem “Apicultores brasileiros encontram meio bilhão de abelhas mortas em três meses” ficou em terceiro lugar na Categoria Especial – Futuro Ameaçado.

Aliados

Neste ano, lançamos nosso Programa de Aliados, que permite que os leitores façam doações mensais para a Pública. Desde maio, conseguimos mais de 1100 aliados e aliadas que contribuem com R$ 20 mil reais por mês. Os aliados da Pública recebem uma newsletter semanal, com textos inéditos de nossos repórteres. Além disso, quem é aliado pode escolher quem será o entrevistado do mês.

Entrevistas escolhidas pelos Aliados

Quem apoiou a Pública em 2019

Ford Foundation

Apoio Institucional

Oak Foundation

Apoio Institucional

Climate and Land Use Alliance, CLUA

Amazônia Sem Lei

Open Society Foundations

Reportagens sobre Internet e Democracia e Festival 3i

Instituto Betty e Jacob Lafer

Investigações sobre poder judiciário

European Climate Foundation

Traduções e parcerias internacionais

Ibirapitanga

Por Trás do Alimento

Instituto Alana

Por Trás do Alimento

Ashoka

Apoio estratégico à direção

Google News Initiative

Festival 3i

Facebook Journalism Project

Festival 3i

Instituto Clima e Sociedade

Festival 3i

Coca-cola Brasil

Festival 3i

Bruno Fonseca/Agência Pública
Imagem meramente ilustrativa/Greg Larcombe/Pixabay
Pixabay
Alan Santos/Presidência da República
Fernando Frazão/Agência Brasil
José Cícero da Silva/Agência Pública
Bruno Fonseca/Agência Pública
Bruno Fonseca/Agência Pública
Bruno Fonseca/Agência Pública
Imagem meramente ilustrativa/PxHere
Juliana Russo/Agência Pública
José Cícero da Silva/Agência Pública
University of Rochester
José Cícero da Silva/Agência Pública
José Cícero da Silva/Agência Pública
AF Rodrigues/Agência Pública
Paula Cinquetti/Agência Pública

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